No RS, prefeito diz que cidade não suporta uma nova cheia

Nas enchentes de maio de 2024, no Rio Grande do Sul, as águas do Rio Taquari subiram tanto que alcançaram cerca de 60% da área urbana do município de Cruzeiro do Sul, um dos mais devastados da região. O impacto sobre a população de 12,3 mil habitantes, no entanto, foi total, com obstrução de vias, interrupção temporária de serviços públicos e privados, perdas econômicas e materiais incalculáveis, bem como destruição de escolas e posto de saúde. Sem falar do número de mortos na cidade, que chegou a 13. Quando se contabiliza com as também devastadoras enchentes de setembro de 2023, o número de mortes chegou a 27, além de 11 desaparecidos. Notícias relacionadas:Um ano após enchentes, gaúchos celebram conquista de novas casas.Vítimas das enchentes esperam por moradias definitivas no RS  .Após um ano, centro de Porto Alegre tenta virar página das inundações.O atual prefeito da cidade, Cesar Leandro Marmitt, o Dingola, conta que também foi afetado pela tragédia: teve a casa totalmente arrastada pela correnteza e precisou se mudar de bairro. "Hoje, nós temos 1.109 casas que foram destruídas e também casas que estão interditadas e não tem possibilidade de moradia. E esse não é o número final, a contabilização, ela está acontecendo ainda, dessas moradias [perdidas]", afirmou o gestor em uma entrevista à Agência Brasil, realizada em seu gabinete, na última semana, para fazer um balanço sobre um ano da catástrofe. "Ainda continuamos fazendo o cadastramento de famílias. Se fala muito da zona urbana, mas nós temos uma zona rural que foi muito afetada", acrescentou.   Cruzeiro do Sul (RS), 27/04/2025 - Cidade do Vale do Taquari foi uma das mais afetadas pelas enchentes de 2024. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil Deslocar a cidade? Dingola diz que o foco, no momento, é principalmente o reassentamento de centenas de famílias que perderam suas casas na enchente e não poderão mais retornar para as áreas consideradas de maior risco. Um dos bairros mais afetados, o Passo da Estrela, será removido para outra área, mas não tem como assegurar que toda a área urbana seja mudada de lugar, como se especulou no ano passado. "Nós somos uma cidade ribeirinha, nós vamos tirar a cidade [toda] daqui quando? Não tem como fazer isso", aponta. "Quando deu a enchente, principalmente pessoas de fora que vinham para ajudar, diziam: 'Não, cidade tem que ir para lá'. É um pensamento compreensível de quem vem de fora, mas o entendimento da cidade, onde tu tens zona rural, zona urbana, é complicado. Hoje, eu estou com dois engenheiros, um é concursado e outro contratei terceirizado. E eu não tenho recurso financeiro do meu município para contratar mais um. Uma empresa pequena contrataria três engenheiros, a prefeitura não consegue contratar", argumenta. "Se eu precisar de um ginásio que fosse um ponto de referência dentro de um plano de contingência, ou de um projeto para fazer um pontilhão para as pessoas passarem de um lugar a outro, ou projeto para mais uma escola ou posto de saúde, um trecho asfalto, eu não tenho como fazer", lamenta o prefeito. Por todo esse cenário, Dingola não tem dúvidas em concluir que a cidade, e possivelmente boa parte da região do Vale do Taquari, não está em condições de enfrentar um cenário parecido com aquela catástrofe de 2024. "Com todas as palavras, eu vou dizer, nós não estamos preparados para enfrentar uma nova cheia deste porte. Não estamos preparados mesmo", disse. "Por falta disso que eu falei, de montar uma infraestrutura que possa receber essas pessoas que tu vai [precisar] remover e, não tendo recurso financeiro, não tem como fazer", completou. Participação no FPM O prefeito reconhece o apoio que tem recebido dos governos estadual e federal, especialmente na construção e compra de moradias, e pagamento do aluguel social, mas pede repasse maior de recursos para que os municípios consigam executar investimentos próprios, como aumento na transferência do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), uma cota anual de impostos federais, principalmente do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), distribuída aos municípios por critérios como população, renda per capita e outros indicadores. Para ele, os governos federal e do estado poderiam repassar recursos até que o município consiga solucionar a questão habitacional, como "um aporte maior no FPM'. "Não é apenas para Cruzeiro, outros municípios em outros estados daqui a pouco poderão passar por isso", disse. "Você depender do governo do estado, do governo federal, a burocracia é muito grande, é tudo muito moroso, tanto que está aí, desde setembro de 2023, na outra enchente, tem casas não entregues". Urbanização de novos bairros Outra dificuldade apontada pelo prefeito é a de agilizar a instalação de energia e acesso a água e esgoto nas novas áreas onde serão criados os bairros mais seguros para a população. "Por serem empresas e estatais, a gente dep

Abr 29, 2025 - 14:00
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No RS, prefeito diz que cidade não suporta uma nova cheia

Logo Agência Brasil Nas enchentes de maio de 2024, no Rio Grande do Sul, as águas do Rio Taquari subiram tanto que alcançaram cerca de 60% da área urbana do município de Cruzeiro do Sul, um dos mais devastados da região. O impacto sobre a população de 12,3 mil habitantes, no entanto, foi total, com obstrução de vias, interrupção temporária de serviços públicos e privados, perdas econômicas e materiais incalculáveis, bem como destruição de escolas e posto de saúde. Sem falar do número de mortos na cidade, que chegou a 13.

Quando se contabiliza com as também devastadoras enchentes de setembro de 2023, o número de mortes chegou a 27, além de 11 desaparecidos.



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O atual prefeito da cidade, Cesar Leandro Marmitt, o Dingola, conta que também foi afetado pela tragédia: teve a casa totalmente arrastada pela correnteza e precisou se mudar de bairro.

"Hoje, nós temos 1.109 casas que foram destruídas e também casas que estão interditadas e não tem possibilidade de moradia. E esse não é o número final, a contabilização, ela está acontecendo ainda, dessas moradias [perdidas]", afirmou o gestor em uma entrevista à Agência Brasil, realizada em seu gabinete, na última semana, para fazer um balanço sobre um ano da catástrofe.

"Ainda continuamos fazendo o cadastramento de famílias. Se fala muito da zona urbana, mas nós temos uma zona rural que foi muito afetada", acrescentou.

 

Cruzeiro do sul (RS), 27/04/2025 - Bairro passo de estrela, onde todas casas foram destruídas pela enchente de abril 2024.
A um ano o estado foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tiveram bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história, deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil Cruzeiro do sul (RS), 27/04/2025 - Bairro passo de estrela, onde todas casas foram destruídas pela enchente de abril 2024.
A um ano o estado foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tiveram bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história, deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Cruzeiro do Sul (RS), 27/04/2025 - Cidade do Vale do Taquari foi uma das mais afetadas pelas enchentes de 2024. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Deslocar a cidade?

Dingola diz que o foco, no momento, é principalmente o reassentamento de centenas de famílias que perderam suas casas na enchente e não poderão mais retornar para as áreas consideradas de maior risco.

Um dos bairros mais afetados, o Passo da Estrela, será removido para outra área, mas não tem como assegurar que toda a área urbana seja mudada de lugar, como se especulou no ano passado.

"Nós somos uma cidade ribeirinha, nós vamos tirar a cidade [toda] daqui quando? Não tem como fazer isso", aponta.

"Quando deu a enchente, principalmente pessoas de fora que vinham para ajudar, diziam: 'Não, cidade tem que ir para lá'. É um pensamento compreensível de quem vem de fora, mas o entendimento da cidade, onde tu tens zona rural, zona urbana, é complicado. Hoje, eu estou com dois engenheiros, um é concursado e outro contratei terceirizado. E eu não tenho recurso financeiro do meu município para contratar mais um. Uma empresa pequena contrataria três engenheiros, a prefeitura não consegue contratar", argumenta.

"Se eu precisar de um ginásio que fosse um ponto de referência dentro de um plano de contingência, ou de um projeto para fazer um pontilhão para as pessoas passarem de um lugar a outro, ou projeto para mais uma escola ou posto de saúde, um trecho asfalto, eu não tenho como fazer", lamenta o prefeito.

Por todo esse cenário, Dingola não tem dúvidas em concluir que a cidade, e possivelmente boa parte da região do Vale do Taquari, não está em condições de enfrentar um cenário parecido com aquela catástrofe de 2024.

"Com todas as palavras, eu vou dizer, nós não estamos preparados para enfrentar uma nova cheia deste porte. Não estamos preparados mesmo", disse.

"Por falta disso que eu falei, de montar uma infraestrutura que possa receber essas pessoas que tu vai [precisar] remover e, não tendo recurso financeiro, não tem como fazer", completou.

Participação no FPM

O prefeito reconhece o apoio que tem recebido dos governos estadual e federal, especialmente na construção e compra de moradias, e pagamento do aluguel social, mas pede repasse maior de recursos para que os municípios consigam executar investimentos próprios, como aumento na transferência do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), uma cota anual de impostos federais, principalmente do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), distribuída aos municípios por critérios como população, renda per capita e outros indicadores.

Para ele, os governos federal e do estado poderiam repassar recursos até que o município consiga solucionar a questão habitacional, como "um aporte maior no FPM'.

"Não é apenas para Cruzeiro, outros municípios em outros estados daqui a pouco poderão passar por isso", disse. "Você depender do governo do estado, do governo federal, a burocracia é muito grande, é tudo muito moroso, tanto que está aí, desde setembro de 2023, na outra enchente, tem casas não entregues".

Urbanização de novos bairros

Outra dificuldade apontada pelo prefeito é a de agilizar a instalação de energia e acesso a água e esgoto nas novas áreas onde serão criados os bairros mais seguros para a população.

"Por serem empresas e estatais, a gente depende muito do trabalho deles, dos critérios de trabalho deles, e isso me incomoda muito, como prefeito. Incomoda muito porque penso que algumas dessas burocracias, elas deveriam de ser, neste momento, nessa situação, mais brandas, né", afirmou.

O prefeito defende que as obras não devem ser feitas a qualquer modo, "que se faça o processo como tem que ser feito, mas poderia agilizar a obra antes da entrega de toda uma documentação".

Apoio dos governos

Em visita a Cruzeiro na semana passada, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, informou que cerca de 200 moradias serão entregues até o final do ano no Novo Passo da Estrela, bairro que está sendo erguido para abrigar famílias que perderam tudo. A área, cedida pela prefeitura, está recebendo obras de urbanização, mas as moradias definitivas ainda não estão em construção. Enquanto aguardam, as famílias vivem em contêineres provisórios no local.

O governo também está com edital aberto para a compra de mais três radares meteorológicos de alta precisão. Um outro radar já funciona na região metropolitana de Porto Alegre desde setembro do ano passado. 

Da parte do governo federal, a Secretaria para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, vinculada à Casa Civil, informou, na última semana, que cerca de 50 contratos de Compra Assistida foram efetivados para moradores da cidade. Além disso, um novo loteamento do Minha Casa, Minha Vida, com previsão de 500 moradias, será construído em Cruzeiro do Sul. Os projetos, entretanto, ainda não saíram do papel. Recursos para a construção de creches e uma Unidade Básica de Saúde (UBS) também estão disponíveis e os projetos dependem da prefeitura. 

O governo federal informou, nesta terça-feira (29), que R$ 111,6 bilhões foram destinados ao Rio Grande do Sul desde o ano passado, dos quais R$ 89 bilhões já foram executados – 80% dos recursos previstos – para ações de recuperação da infraestrutura das cidades, estímulo da economia local, repasse direto às famílias e aquisição de moradias.

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